O caso do crachá

Toda vez que uma empresa resolve implantar um novo programa, ou uma nova rotina, ou uma nova sistemática, tem sempre um monte de gente que discorda. No mais das vezes, a maioria desses inconformados com as mudanças nem sabe direito por que é contra. É porque é. Ou nasceu assim, ou ficou assim depois de testemunhar dezenas de mudanças que deram em nada. Por isso, as empresas investem muito em campanhas internas para convencer seus funcionários de que uma mudança atende ao "interesse geral", um eufemismo para "se é bom para a empresa, deve ser bom para você também".


O caso do crachá

Mas há exceções. Poucas, mas há. E o melhor exemplo que eu vi de como implantar uma nova sistemática, sem traumas e sem gastar dinheiro à toa, ocorreu na Gessy Lever faz um par de décadas (os bons exemplos são tão raros que podem ser medidos por décadas). Um dia lá, a diretoria da Gessy Lever decidiu que seus empregados deveriam começar a usar crachá. Porque o número de funcionários já era muito grande e muita gente nem sabia o nome dos colegas, ou por uma questão de segurança, ou qualquer que tenha sido o motivo. E, se eu bem me lembro de todas as tentativas de implantação de crachá que vi na minha vida, isso sempre deu encrenca. Crachá é o tipo de obrigação corporativa que tem uma incrível capacidade de desagradar a todos. Muitos funcionários achavam constrangedor usar aquele pedaço de plástico pendurado no peito. E a quantidade de gente que esquecia o crachá em casa, ou que o perdia de propósito, era anormalmente alta. 


Para quem viveu essas turbulências algum dia, a tática da Gessy Lever foi tão descomplicada, e tão inteligente, que dá até raiva. Numa bela segunda-feira de verão, os diretores apareceram para trabalhar portando vistosos crachás. Como não houve nenhuma comunicação prévia e nenhuma explicação posterior, ninguém entendeu nada, mas, como é de praxe, a rádio peão imediatamente entrou no ar, divulgando as mais variadas e absurdas teorias. Duas semanas de buchichos depois, os gerentes foram convocados para uma reunião a portas fechadas com a diretoria. E saíram da sala portando crachás. Aquilo deixou os funcionários comuns -- os prezados colaboradores -- inconformados. E as reclamações não demoraram a surgir: por que só os privilegiados pela hierarquia tinham o direito de usar crachás? A atitude da empresa, evidentemente, visava jogar no anonimato absoluto os menos favorecidos, diziam os terroristas de plantão. Atenta aos anseios populares, duas semanas depois a direção decidiu que o uso de crachás seria estendido a todos os funcionários, independente da função. A concessão foi encarada como uma conquista pelos sem-crachá, e poucos perceberam que estavam fazendo exatamente o que a empresa pretendia desde o primeiro instante: estimular a adoção do crachá.


Além das vantagens óbvias para a empresa -- nenhuma necessidade de esclarecimentos e zero de custos extras para a implantação do programa, o episódio revela algo até simples, mas que a complexidade do mundo corporativo muitas vezes coloca em segundo plano: a melhor maneira de fazer com que as mudanças realmente funcionem é por meio do exemplo prático, de cima para baixo.

 

Max Gehringer (max.g@uol.com.br) 
Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/834/noticias/o-caso-do-cracha-m0040837

por Davidson Pimenta

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